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Adolescentes E HIV

A adolescêcnia é um período de transição em nossa vida, caracterizada por insegurança, conflitos, prepotência, além da mudança física, psicológica e sexual. É um período de turbulência e antagonismo: os limites parecem não existir para o jovem. Para ele, tudo é possível e, diante de uma barreira, seu primeiro impulso é transpô-la. É uma fase da vida cheia de conflitos por afirmação da identidade, por incertezas e por contestações dos valores da sociedade.

Atualmente, têm-se obsevado números crescentes de adolescentes com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) em acompaNhamento médico, devido ao aumento da sobrevida das crianças infectadas. No período que precede a introdução dos anti-retrovirais altamente potentes, as crianças portadoras de HIV apresentavam manifestaçõs clínicas de imunossupressão grave, sem tratamento específico; assim, a maioria faleceu nos primeiros anos de vida. Com o progresso de conhecimentos médicos e avanços farmacológicos, nos últimos anos, observou-se queda considerável de mortalidade e morbidade entre os indivíduos infectados.

Os adolescentes que adquiriram o HIV por transmissão vertical são hoje a maioria; porém o número de adolescentes contaminados pelo uso de drogas ilícitas ou pela via sexual apresenta crescimento preocupamente nos últimos anos.

Para otimizar o atendimento ambulatorial dos adolescente portadores de HIV, é necessária uma equipe multidisciplinar (além dos médicos, profissionais da saúde mental, assitentes sociais, nutricionistas e fisioterapeutas) que interaja e discuta; o único enfoque é o bem-estar físico e mental do adolescente.

CONSULTAS MÉDICAS

FREQUÊNCIA

O intervalo entre as consultas ambulatoriais é de 30 dias. Os pacientes que apresentarem evoluções clínicas e laboratoriais estáveis, com boa aderência aos anti-retrovirais, poderão retornar ao ambulatório a cada dois meses.

ESPAÇO FÍSICO

Já na sala de espera, o adolescente necessita de um espaço e/ou horários exclusivos para sua faixa etária, separado de crianças e adultos. As consultas médicas devem ser realizadas em uma sala confortável e acolhedora.

DURANTE A CONSULTA

Caso o adolescente esteja com acompanhante, este pode permanecer na sala se aquele o permitir. Em geral, os adolescentes preferem que as consultas sejam realizadas sem acompanhantes.

Na primeira consulta do paciente no ambulatório, o médico deve ter cautela em relação ao conhecimento da soropositividade do próprio adolescente e da sua via de transmissão, além da atividade sexual e do uso de drogas ilícitas. Inúmeros fatores contribuem para o desconhecimento do diagnóstico da infecção pelo HIV entre os adolescentes. Primeiramente, os responsáveis não costumam permitir a revelação diagnóstica. Em segundo lugar, pode haver baixo nível de compreensão do próprio adolescente: as crianças infectadas pelo HIV podem evoluir com atraso no desenvolvimento cognitivo e/ou apresentar distúrbios comportamentais. Além disso, muitas vezes há falta de oportunidade de conhecer o diagnóstico, o que ocorre principalmente nas instituições ou abrigos de adolescentes. O desconhecimento do diagnóstico contribui para a não-aderência ao tratamento, a sensação de incerteza e de medo. Uma vez que o paciente apresente condição psicológica e de compreensão, a revelação do diagnóstico deve ser encorajada. O apoio da família, de responsáveis e de profissionais da saúde é fundamental para o êxito deste processo árduo, porém necessário.

Ao questionar sobre a atividade sexual ou o uso de drogas, o médico deve demonstrar confidencialidade, compreensão e não repressão. Ademais, o médico deve recomendar o parceiro sexual do adelescente para a triagem sorológica e para a pesquisa de outras doenças sexualmente transmissíveis. O parceiro, se preferir, pode acompanhar as consultas médicas.

EXAME CLÍNICO

O exame clínico deve ser realizado de forma tranquila, a portas fechadas. Diferentemente dos pacientes de outras faixas etárias, o exame clínico desses adolescentes deve levar em conta algumas considerações importantes:

  1. Na avaliação do desenvolvimento das caracterísitas sexuais, a escala de Tanner é a mais utilizada. Para o paciente que apresenta características sexuais pouco desenvolvidas ou ausentes (Tanner I e II), as doses dos anti-retroviriais devem ser calculadas conforme o peso ou a superficie corpórea, de acordo com o Guia de Tratamento Clínico da Infecção pelo HIV em Crianças do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde.
  2. Quanto ao desenvolvimento neurológico, é necessário estar atento aos comprometimentos cognitivo, motor, sensitivo e comportamental, que são mais comuns devido a infecções ocorridas na fase precoce da vida.
  3. É preciso obsevar os possíveis efeitos adversos dos anti-retrovirais, dentre os quais os mais frequentes são as deformindas corpóreas e faciais (sindrome da lipodistrofia). As alterações corporais dos adolescentes podem ocasionar impactos negativos na auto-imagem e na aderência aos anti-retroviriais.
  4. As manifestações clínicas de imunodeficiência adquirida nos adolescentes assemelhan-se aos dos pacientes adultos. Assim, ocorrem lesões cutâneas como angiomatose bacilar e sarcoma de Kaposi, que são raras nos pacientes pediátricos.
  5. O redimento escolar deve ser perguntado durante a consulta. Não raro, a dificuldade na aprendizarem escolar é a única manifestação neurológica decorrente da infecção pelo HIV.
  6. Nos adolescentes, as possíveis alterações relacionados ao órgão genital (no caso do gênero feminino, incluem-se as alterações referentes ao ciclo menstrual) devem ser avaliadas e, se necessário, solicita-se o auxílio de profissionais específicos.

EXAMES COMPLEMENTARES

  1. Exames de rotina devem ser solicitados a cada três ou quatro meses e incluem hemograma completo, bioquímica sanguínea, função renal e hepática, glicemia, colestrerol (totais e frações), triglicérides, ácido láctico, amilase, lipase, exame simples de urina e parasitológico de fezes. As alterações do metabolismo de lípideos devem ser avaliadas periodicamente para que sejam detectadas o quanto antes e controladas a tempo. A contagem de linfócitos T-CD4 e CD8 segue os mesmos parâmetros dos pacientes adultos. A porcentagem deve prevalecer em relação ao número absoluto, pois as variações frequentes de leucócitos podem alterar-se na contagem do número de linfócitos T-CD4. A queda percentual superior a três já e considerada sinal de alerta. A carga viral deve permanecer em nível indetectável. O aumento de 0,7 a 1 log é considerado significativo; assim, um exame confirmatório é necessário antes de qualquer mudança no esquema terapêutico. Um dos fatores que pode contribuir para esse aumento transitório são as intercorrências infecciosas e as vacinas.
  2. Sorologias para doenças sexualmente transmissíveis devem ser realizadas periodicamente para os adolescentes que já iniciaram a atividade sexual ou para usuários de drogas.
  3. Uma tomografia computadorizada de crânio deve ser solicitada na suspeita de qualquer distúrbio neurológico ou comportamental, pois esses pacientes apresentam maior probabilidade de desenvolver doenças vasculares, neoplásicas e oportunistas no sistema nervoso central.
  4. Avaliações periódicas de ultra-sonografia abdominal devem ser consideradas para detectar alterações de parênquima hepático, esplênico e possíveis adenomegalias peritoneais. Recomenda-se estudo ultra-sonográfico de rins e trato urinário, caso o paciente apresente alguma queixa ou sinais relacionados ao sistema urinário.
  5. Exames de fundo de olho devem ser realizados periodicamente, conforme a necessidade, pois a maioria das infecções oportunistas, além do próprio HIV e alguns medicamentos, podem acometer também a retina.
  6. Nos pacientes que apresentam sintomas ou sinais sugestivos de mico-bacterioses, recomeda-se radiografia simples de tórax, pesquisa de bacilos ácido-álcool resistentes no escarro e no sangue, PPD e, nos casos de lesões suspeitas, biópsia. A tomografia computadorizada de tórax pode oferecer auxílio importante no diagnóstico

TRATAMENTO

Antes de iniciar qualquer esquema terapeutico, o adolescente deve receber todas as informações necessárias sobre a indicação da terapia, a importância da aderência, o tempo de tratamento e, se possível, os efeitos adversos dos medicamentos indicados. O médico precisa orientar o paciente sobre a posologia das drogas e possíveis interações alimentares e medicamentosas. Havendo oportunidade, o profissional pode adequar o intervalo da medicação conforme as atividades desses adolescentes e incentivá-los a memorizar os nomes dos medicamanentos, ensinando o modo de utilizá-los.

ANTI-RETROVIRAIS

Os anti-retrovirais são indicados para os indivíduos sintomáticos, com contagem de linfócitos T-CD4 inferior a 200 células ou carga viral persistentemente elevada. A terapia inicial deve incluir dois inibidores de trasncriptase reversa análogos de nucleosídeo (ITRN), associados a um inibidor de transcriptase reversa não-análogo de nucleosídeo (ITRNN) ou um inibidor da protease. O tratamento com esquemas duplos não deve ser utulizado. As recomendações para a terapia anti-retroviral em adolescentes são baseadas no Guia de Tratamento Clínico da Infeção pelo HIV em Adultos e Adolescentes do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde.

Na escolha do esquema ideal para cada adolescente, o médico deve considerar o número de medicamentos prescritos, a frequência de tomadas e a palatabilidade. Uma vez iniciado o tratamento com anti-retrovirais, os exames de controle, principalmente a contagem de linfócios T-CD4/CD8 e da carga viral, só devem ser avaliados após 12 a 16 semanas de seu uso regular.

Após 16 semanas de uso regular e contínuo de anti-retroviriais, espera-se uma melhora clínica, isto é, ganho ponderal, melhora do estado geral, inclusive do humor dos pacientes. Nos exames complementares, observa-se queda significativa da carga viral, com redução de 1 log ou mais. Mais tarde, é provável que haja aumento do número de linfócitos T-CD4, possívelmente de forma mais lenta. Na fase de recuperação clínica, virológica e imunológica, podem-se observar, nos adolecentes, sinais ou sintomas relacionados com a reconstituição imune, sendo os mais frequentes: adenomegalia, principalmente da cadeia cervical, herpes zóster e micobacterioses. Apesar de esses sintomais e sinais serem sugestivos de “piora clínica”, o paciente que recebe tratamento adequado para essas intercorrências evolui rapidamente para uma melhora clínica. É importante explicar e orientar o paciente sobre a reconstituição imune e manter o tratamento.

Infelizmente, em alguns adolescentes, a resposta esperada com o uso de anti-retrovirias não é observada, por resistência a esses medicamentos ou por uso inadequado do esquema recomendado. É considerada falha terapêutica quando ocorrem infecções oportunistas, não melhora clínica do paciente, elevação ou queda de valor insignificate (menor que 0,5 log) da carga viral, ou redução de linfócitos T-CD4. A troca de anti-retroviarias deve ser cautelosa, podendo ser apenas realizada após a confirmação das alterações laboratoriais e o afastamento de qualquer infecção oportunista o mais rápido possível. Antes da troca do esquema terapeutico, o médico deve ressaltar a importância do uso regular de anti-retrovirais e explicar que as opções terapêuticas são limitadas, sendo as trocas posteriores problemáticas, em razão da dificuldade de combinação das drogas.

Recomendá-se genotipagem após a primeira falha tetapêutica.

PROFILÁXIAS

Pneumocistose

Os adolescentes que apresentarem contagem de linfócitos T-CD4 menor que 200 células devem receber sulfametoxazol-trimetoprima, na dose de 25mg/kg/dia de sulfametoxozol como profiláxia primária para pneumocistose. Se houver uso regular de anti-retrovirias, evolução com melhora clínica do paciente e contagem de linfócitos CD4 maior que 200 células por um período maior que seis meses, a profilaxia pode ser suspensa. No caso de profilaxia secundária, o paciente deve ser tratado com as mesmas recomendações. Para indivíduos que apresentarem reações de hipersensibilidade ao sulfametoxazol-trimetoprima, as opções alternativas são pentamidina (4mg/kg, por via intravenosa, mensal) ou dapsona (1mg/kg/dia).

Micobacterioses

As micobacterioses, sobretudo as não-tuberculosas, ocorrem mais comumente nos pacientes com imunossupressão grave, isto é, contagem de linfócios T-CD4 menor que 50 células. A azitromicima é a droga mais recomendada (10mg/kg/semana). Antes de iniciar a profilaxia, uma pesquisa de possível agente no escarro, sangue, medula óssea e outros sítios deve ser realizada. No caso de profilaxia secundária, as mesmas indicações devem ser seguidas.

Citomegalovirose

Recomenda-se a profilaxia secundária para citomegalovirose, não existindo ainda um consenso em relação à profilaxia primária. A hipótese de citomegalovirose deve ser asfatada para os pacientes que apresentarem contagem de linfócitos T-CD4 inferior a 50 céclulas, pricipalmente aqueles com alterações hematológicas, pneumonia intersticial e doença diarréica. A droga de escolha para profilaxia secundária é o ganciclovir (diidroxifosfatoguanina), na dose de 10mg/kg, por via intravenosa, cinco vezes por semana.

Criptococose

A criptococose é uma das infecções fúngicas mais frequentes encontradas nos pacientes com imunossupressão grave, cuja forma mais comum é a neurocriptococose. Para sua profilaxia secundária, recomendá-se fluconazol (10mg/kg/dia). A profilaxia deve ser mantida até a recuperação clínica e imunológica (contagem de linfócitos T-CD4 maior que 100 a 200 células por mais de seis meses), devendo o paciente estar em uso estritamente regular de anti-retrovirais. A avaliação periódica de líquor é recomendada.

Toxoplasmose

Recomenda-se profilaxia secundária com o uso de sulfadiazina (80mg/kg/dia), ácido folínico (0,5mg/kg/dia) e pirimetamina (1mg/kg/dia). A profilaxia deve ser mantida até a melhora imunológica (contagem de linfócitos T-CD4 maior que 100 a 200 células por mais de seis meses).

VACINAS

Além das vacinas normalmente recomendadas para os adolescente, os portadores de HIV devem receber vacinas contra pneumococos (23 valentes) e reforço contra o vírus da hepatite B e influenza. O cartão de vacinação deve ser verificado periodicamente. Os exames de rotina, como contagem de linfócitos T-CD4 e carga viral, não devem ser realizados no período de quatro semanas após a vacinação.

ACONSELHAMENTO

  1. A consulta é uma oportunidade privilegiada para o aconselhamento sexual, isto é, o ensino da prática de sexo seguro e responsável. Para os pacientes usuários de drogas, além dos conselhos habituais, o médico deve recomendar serviços ou profissionais que possam ajudar no abandono da dependência.
  2. Para as adolescentes gestantes, além dos demais profissionais de apoio, será necessário o auxílio de obstetras com conhecimento específico e de maternidades e/ou hospitais especializados para o parto. A carga viral desejável nesse período é menor que 1.000 cópias. O uso de quaisquer medicações, em especial os anti-retroviarias teratogênicos, deve ser evitado, mas a zidovudina (AZT) necessita ser incluída no esquema terapêutico para a profilaxia da transmissão vertical do HIV, salvo contra-indicação.
  3. É importante que o médico incentive a formação intelectual do paciente, promovendo estímulo para o progresso na escola ou na vida profissional.

BIBLIOGRAFIA

Baricca AM. Vivendo e crescendo com HIV/Aids. São Paulo, 2005. Tese (doutorado), Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Recomendações para terapia Anti-retroviral em Crianças Infectadas pelo HIV/Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Brasilia: Ministério da Saúde; 2005.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Recomendações para terapia Anti-Retroviral em Adultos e Adolescentes pelo HIV Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Brasilia: Ministério da Saúde; 2005.

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