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Asma: os medicamentos para prevenir crises afetam o crescimento?

Os corticoides são importantes no tratamento, mas podem afetar a produção de hormônios. Entenda o impacto para crianças e adolescentes.

Os corticoides, também conhecidos como corticosteroides, são substâncias que imitam a ação de hormônios produzidos em nosso corpo e que têm ação anti-inflamatória. Muito usados, tratam quase todo o tipo de inflamação, das articulações à pele, das vias respiratórias ao globo ocular. Na forma de xarope e spray nasal, são comumente prescritos para aliviar a congestão em casos de rinite, uma inflamação da mucosa do nariz, e para reduzir os sintomas de sinusites, inflamação da mucosa dos seios da face. Estão presentes nas bombinhas usadas por quem tem asma, como é o caso do filho do Vanderlei, que fez a pergunta ao ÉPOCA Check-up. No Brasil, 6,4 milhões sofrem com a doença crônica, segundo do Ministério da Saúde. Apesar de o dado se referir a pessoas com mais de 18 anos, a população mais jovem é uma parcela importante dos pacientes. A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia estima que 20% das crianças e dos adolescentes sejam afetados.

Em pessoas que têm asma, as células das vias respiratórias reagem de maneira desproporcional a fatores irritantes, como a poluição. Para se defender dessas agressões, os tubos que levam ar aos pulmões, os brônquios, ficam contraídos e há mais produção de muco, na tentativa de barrar os invasores. O resultado é falta de ar. Em casos graves, se não houver atendimento, a asma pode levar à morte. Por isso, os médicos pneumologistas receitam corticoides para controlar crises de asma e, de maneira preventiva, diminuir o nível de vigilância e reação das células das vias respiratórios. Em alguns casos, outros medicamentos também podem ser combinados, como os broncodilatadores, que ajudam a dilatar as fibras musculares que envolvem os brônquios.

Como em todo medicamento, há efeitos colaterais. E, no caso dos corticoides, alguns preocupam mais os pais de crianças e adolescentes, que estão em fase de crescimento. Como são usados de maneira constante na asma – e imitam a ação de hormônios produzidos pelo próprio corpo – eles podem acabar confundindo o organismo. As glândulas suprarrenais, localizadas em cima dos rins, são encarregadas da produção desses e de outros hormônios importantes, como o do crescimento. Quando há uma quantidade grande de substâncias com ação semelhante circulando pelo organismo, elas podem entender que não é necessário produzir mais e podem ter sua ação suprimida. Com isso, diminui também a produção do hormônio do crescimento – daí o alerta feito pelos médicos consultados pelo Vanderlei e presente nas bulas desses medicamentos. “A presença de corticoide em excesso também faz com que o hormônio de crescimento que já está no organismo não consiga agir adequadamente”, diz a endocrinologista Margaret Boguszewski, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia (Sbem).

Os corticoides também influenciam outros processos do organismo. Eles podem afetar a absorção de cálcio pelo intestino, um mineral importante para os ossos, e alterar a eliminação do cálcio pela urina. Por isso, o uso constante de corticoides também pode estar associado a casos de osteoporose, caracterizada pelo enfraquecimento dos ossos.

Esse tipo de efeito colateral é mais frequente quando o medicamento é ingerido oralmente, na forma de xaropes, por exemplo. Sua ação é distribuída para todo o corpo, afetando diferentes processos do organismo. Os médicos restringem o uso de corticoides orais apenas para momentos de crise. “Como seu efeito é mais rápido, pode solucionar a crise em questão de horas”, afirma a pneumopediatra Adyleia Contrera Toro, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para a ação de prevenção, os medicamentos escolhidos são os inalatórios (spray nasal ou bombinha). Como o raio de ação é localizado nas vias respiratórias, a repercussão dos efeitos colaterais sobre o resto do organismo é menor. Ainda assim eles existem, porque até 15% do medicamento pode cair na corrente sanguínea.

Os estudos científicos, apesar de confirmarem que o risco existe, não são alarmantes. Eles mostram que pode ocorrer uma diminuição na velocidade do crescimento, especialmente no primeiro ano do uso de corticoides inalatórios, mas que ela é superada nos anos seguintes e a criança atinge a estatura próxima da prevista para sua constituição (fatores genéticos e ambientais, como a alimentação, são aspectos importantes na determinação da altura final).

Uma pesquisa feita nos Estados Unidos, dentro de um programa de controle de asma mantido pelo governo americano, comparou a estatura final de crianças que haviam usado corticoides inalatórios, como budesonida, e das que haviam usado um placebo (uma substância inerte). Os pesquisadores acompanharam mais de 1.000 crianças com asma leve ou moderada, entre 5 e 12 anos de idade, por um período de até seis anos. As crianças que tomaram budesonida cresceram 1,1 centímetro a menos do que o grupo do placebo no primeiro ano. Mas, ao final do tratamento, as crianças que tomaram medicação e as que usaram placebo tinham atingido estatura similar. 

A pediatra brasileira Elisete Arend encontrou resultados semelhantes ao analisar 21 estudos desse tipo durante seu mestrado em pneumologia pediátrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), concluído em 2005. Em 11 estudos, não havia evidências de efeitos do corticoide inalatório sobre o crescimento. Em outros dez estudos, a estatura das crianças que usavam a medicação foi entre 1 e 1,5 centímetro menor no primeiro ano do tratamento. Mas a diferença desapareceu nos anos subsequentes, fazendo com que os pacientes atingissem a altura adulta esperada.

Quanto ao risco de osteoporose, dois estudos citados por Elisete em seu trabalho não encontraram associação entre a ocorrência de osteoporose e fraturas em adultos e crianças que usaram corticoides inalatórios. Outra pesquisa, que avaliou o uso de budesonida inalatória em crianças entre 3 e 6 anos, sugeriu que o medicamento não afetou a densidade óssea em comparação a outras 112 crianças que não usaram a medicação.

É importante estar sempre atento aos efeitos colaterais dos medicamentos, mas antes de tomar qualquer decisão, é necessário conversar com o médico sobre suas preocupações. Só ele pode pesar os riscos e os benefícios de um medicamento para cada caso. Se ainda continuar em dúvida, peça ao médico que explique os dados e os estudos em que ele se baseou para tomar essa decisão.

No caso da asma, como é uma doença crônica, não tratá-la adequadamente também pode interferir no desenvolvimento da criança. “Se a asma for maltratada ou não tratada, reduz o crescimento às vezes em patamares mais elevados do que doses elevadas de corticoide”, afirma o pneumopediatra Paulo Augusto Camargos, presidente do Departamento Científico de Pneumologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Usar os corticoides inalatórios de maneira preventiva é importante para evitar o uso frequente dos orais, que têm mais implicações sobre o organismo. “Em doses corretas, eles previnem as crises e, por consequência, evitam o uso exagerado e perigoso do corticoide oral”, afirma Camargos.

Outra medida que ajuda a tranquilizar os pais sobre os rumos do tratamento é controlar com o pediatra o crescimento da criança. “ O monitoramento deve ser feito a cada três ou quatro meses”, afirma Adyleia, da Unicamp.

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